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sábado, 27 de novembro de 2010

O Limite Sutil entre a Alteração Estética e a Perda do Bom Senso – Transtorno Dismórfico Corporal

 

Em mais uma tarde de atendimento em meu consultório, recebi a jovem e bela paciente com 19 anos, acompanhada do namorado, estudante de computação, também novo e “bem apessoado”, ambos simpáticos e educados. Ela, aluna de medicina, fora para mim encaminhada por um amigo meu, professor de ginecologia da escola médica em que ela estava estudando.

Ao iniciarmos nossa entrevista, notei que ela se tornou um pouco tensa, passando a “desfiar um rosário” de reclamações sobre a aparência das suas mamas. Segundo seu relato, “eram caídas, moles e com os mamilos tortos e grandes”, apesar de nunca ter dado à luz. Além do que, queixava-se que elas não lhe preenchiam o “colo”, coisa que conseguia apenas com o uso de soutien com “bojo”, etc, etc e etc...

Como ela estava de camiseta justa, ao ouvi-la, passei os olhos pela sua silhueta, mas não consegui nenhuma pista. O namorado ao seu lado, impassível o tempo todo, apenas a observava. Ela, por sua vez, prosseguia em seu discurso, um tanto quanto angustiada.

Diante da futura colega de profissão, para mim, a riqueza e precisão dos detalhes na descrição das suas “frustrações anatômicas” faziam parte dos jargões e frases às quais estamos habituados no meio médico e, com atenção, fui fazendo as anotações no seu prontuário

Quando achei que era o momento, pedi a ela que se encaminhasse à sala de exame e tirasse a parte de cima de sua roupa. À sua chamada fui vê-la e, imediatamente, surpreendido pelo inesperado. Suas mamas eram perfeitas!!!! Em todos os aspectos! Não dava para criticarmos nada: formato, tamanho, mamilos, aréolas e posição no tórax. As proporções em ralação ao seu peso e altura eram um modelo de perfeição. Tudo estava de acordo com o que a cirurgia plástica e a moda atual ditam em relação à estética mamária.

Tomei o cuidado para não demonstrar minha surpresa, pois pressenti que eu estava diante de um caso não tão comum na nossa rotina, mas não tão incomum que quase nunca pudesse aparecer. O mais inusitado da história é que era uma médica! Estudante ainda, mas já praticante da medicina no hospital escola da sua faculdade.

Pois bem! Qualquer falta de tato da minha parte poderia interferir na relação médico-paciente e dificultar ainda mais a abordagem nesse tipo de situação, pois a jovem poderia sentir-se desrespeitada em seu sofrimento, mesmo que aos olhos da maioria ele não devesse existir.

Foi quando me dei conta que a resignação do namorado vinha de um sentimento de “batalha inútil”, que ele já deveria vir travando há muito tempo, para tentar convencê-la de que as mamas eram perfeitas.

Passei então a mostrar a ela desenhos da anatomia mamária na tela do computador, além de fotos de modelos e fotos de pacientes minhas já operadas. Fui lhe relatando os parâmetros que nós, cirurgiões plásticos, utilizamos para entender o que é belo e adequado do ponto de vista estético. Percebi que ela estava de pleno acordo, mas quando voltávamos ao seu caso, novamente a auto-imagem não lhe agradava.

Tentei mais duas ou três vezes convencê-la que uma suposta melhora com a cirurgia apenas acarretaria em cicatrizes, sem levar a nenhum ganho real, visto que nada havia para se modificar. Tudo em vão! A cada nova argumentação, notava um semblante de esperança em seu namorado, mas que logo se dissipava quando eu voltava objetivamente ao caso dela.

Não vislumbrando mais nada que a pudesse demover da idéia fixa, achei por bem ir direto ao assunto e lhe disse: “Acredito que você esteja apresentando o que chamamos de transtorno dismórfico corporal”. “Sugiro que você procure um psiquiatra para uma boa avaliação e possível tratamento, o qual, provavelmente, será conduzido com sessões de psicoterapia!” Com firmeza, posicionei-me! Indiquei para ela um amigo psiquiatra e lhe sugeri que se empenhasse nisso antes de voltar a mim ou de ir a algum outro cirurgião.

Seu namorado, instintivamente, deu um suspiro de alívio! Ela, por sua vez, finalmente cedeu a esta minha última argumentação e à espontaneidade do parceiro. Confessou-me que, de fato, sempre fora exigente demais com sua aparência. Relatou-me que diariamente freqüentava academia de ginástica e que não passava uma semana sequer sem comparecer a uma clínica de estética!

O casal então se levantou e nos despedimos com a sensação que estávamos fazendo o melhor. Uma pontinha de dúvida em sua expressão ainda lhe escapava ao olhar! Mas, creio que sua formação médica ajudou-a a tocar adiante.

Não tive mais notícias dela. Talvez tenha seguido meus conselhos, talvez não! De qualquer forma, dormi com minha consciência tranqüila!

Dessa vez as coisas foram bem durante toda a consulta, mas nem sempre é assim. Por vezes, quando apontamos o problema psicológico, somos obrigados a ouvir desaforos ou somos tratados com desdém.

Pacientes assim acabam “pulando” de consultório em consultório e terminam vítimas de um problema psicológico que não foi bem encaminhado. Às vezes se submetem a diversas cirurgias e, por fim, adquirem verdadeiras deformidades. Aí sim, incorrigíveis!

Exemplos assim de pessoas famosas não nos faltam: Michael Jackson deve ser o mais conhecido!

Michael Jackson 2

Mickey Rourke também nos é familiar.

Mickey Rourke 2  Mickey Rourke

Hoje na Folha de São Paulo, esse tema foi muito bem abordado pela jornalista Juliana Vines, que nos apresentou inclusive a foto da “socialite” americana Jocelyn Wildenstein, a “mulher gato” (fotos abaixo). Claro que não por ser personagem do filme do Batman, mas sim pela aparência a que chegou devido a inúmeros procedimentos cirúrgicos e cosmiátricos.

Nsses casos mais “escrachados” identificamos facilmente o transtorno dismórfico. São pacientes bem raras! Por outro lado, os casos menos acentuados, como esta paciente que mencionei, são mais comuns, porém sutis e, às vezes, por uma crença de que possamos ser mais exímios do que a natureza já bem desenhou, acabamos por operá-las! Quanto arrependimento nessas horas! Quando isso ocorre temos pela frente um problema cuja tendência é o crescimento e a frustração de ambas as partes. Uma verdadeira “bola de neve”! Esse tipo de paciente, com problema mais psicológico do que estético, nunca estará satisfeita!

Concluimos então que nada melhor que o tempo e a experiência que ele nos trás! Nos casos em que percebemos esse distúrbio e contra-indicamos uma cirurgia, não só estaremos fazendo uma boa medicina como também protegendo nosso nome no mercado de trabalho!

E, caso vocês queiram dar uma olhada na matéria da Folha, aí vai o link! Por hoje é isso!

Dr Edmilson Micali

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saude/sd2611201001.htm487 mulher gato

Jocelyn Wildenstein, a “mulher gato”

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